Deficiente tecnológico

Você é um deficiente tecnológico? | WTF #14


Texto espetacular -- assim como longo e às vezes denso -- do Padma Dorje (Eduardo Pinheiro) instigando ao desenvolvimento de heurísticas em nossa relação com tecnologia.

Pessoas também me dizem: "você adora computador/internet, né?". Simplória confusão entre ferramenta e a sua finalidade.

Como diz o Eduardo Pinheiro: "o computador é um mero intermediário com a cultura, e quanto menos evidente ele é, durante o uso, melhor."

Portanto, eu não adoro computadores (nunca estudei ciência da computação e nem sei montar ou desmontar um PC). O que eu adoro é a cultura, as conexões, os acessos e as interações que ele me proporciona.

O texto do Pinheiro está recheado de mais um monte de excelentes provocações sobre heurística, curvas de aprendizado, filosofia da mente, relação corpo/mente/tecnologia/cultura, possibilidades futuristas para os dados que hoje criamos em redes sociais e, concretamente, como é empobrecedora essa postura de "eu não gosto dessas coisas de computador".

Particularmente, gostei muito da parte que segue.



A MENTE FORA DA CABEÇA

Quando era criança, eu via os adultos comentarem sobre as calculadoras, sobre como não se usava mais a cabeça para fazer aritmética e como isso empobreceria a educação. Esse tipo de discurso segue: está tudo no Google, as crianças copiam seus trabalhos da Wikipédia, etc.

Porém, o que importa cada vez mais é exatamente o desenvolvimento das heurísticas e não dados e aprendizados mecânicos. Assim, podemos nos focar no que os seres humanos fazem bem. Podemos acusar o uso excessivo de carros por alguma responsabilidade na epidemia de obesidade (entre muitos outros fatores mais importantes), mas ninguém vai negar o fato óbvio de que há distâncias e tempos de deslocamento que só são possíveis com veículos motorizados.

Então podemos treinar aritmética na escola, exatamente como quem faz cooper: não para ir a algum lugar, mas para manter o corpo bem e ser capaz de outras atividades. Se queremos atravessar um oceano, não temos vergonha de nossas pernas não funcionarem como um avião.

Essa discussão chega a ser ridícula.

Mais do que isso, há bons argumentos filosóficos mostrando que nossa mente não está dentro de nossa cabeça. Nem mesmo os “conteúdos” dela. Nunca estiveram. Temos uma forte noção de que os conteúdos mentais estejam armazenados em algum lugar “aqui dentro”, porém, isso não é necessariamente assim. Os conteúdos mentais estão principalmente na interação com outras pessoas, no papel e, hoje, também nas máquinas.

Isso que temos “dentro da cabeça”, se é que faz sentido colocar assim, é difícil dizer, talvez seja uma representação bastante rudimentar de referências que temos no mundo e possivelmente seja a parte menos importante. Da mesma forma que imaginamos engrenagenzinhas eletroquímicas operando aqui dentro, lá fora, os sentidos interagem uns com os outros (posso descobrir que estou errado, mas alguém pode me mostrar isso também). Na verdade, os fatos por si só podem fazê-lo.

Pensamos com as palavras de outros, as premissas e implicações de outros, para conclusões de/ou para outros. Normalmente vivemos sob a ideia de que nossa vida está centrada atrás de nossos olhos e damos a maior importância para essa posição. Um teatrinho no qual nosso corpo é o cenário mais próximo e o resto do mundo o cenário mais distante.

Mas não precisamos acreditar nisso.

Tudo que falamos e fazemos converge em ondas por todos os mundos. Como o som de um sino que não é abafado, não sabemos precisar quando o som cessa. Essa parte a que damos tanta atenção e que acreditamos ser a plateia principal do mundo não é muito mais do que um termostato, um saco morno de químicos com pequenas tempestades elétricas coberta de couro, pelos e uma casca durinha: o que realmente importa, a parte de nossa mente que realmente existe de uma forma significativa, está lá fora, nos outros, no mundo.

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